Luiz Mott

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UM NOTÁVEL ATIVISTA BRASILEIRO NUMA CONVERSA SOBRE HOMESSEXUALIDADE!

Por Jefferson Cruz
Foto Jefferson Cruz


Luiz Roberto de Barros Mott, mais conhecido como “Luiz Mott”, tem 64 anos, paulistano por nascimento, desde os anos 70, radicado em Salvador, cidade que lhe concedeu o título de Cidadão Honorário. Em 2006 a Assembléia Legislativa do Estado da Bahia concedeu o título de cidadão baiano a Luiz Mott, em seguida em Piauí. De tradicional família interiorana ele estudou em Seminário Dominicano de Juiz de Fora. Formou-se em Ciências Sociais na USP. Fez mestrado na Sorbonne, em Etnologia; doutor em Antropologia, pela Unicamp e professor emérito do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia UFBA. Atualmente aposentado em antropologia.

Assumiu sua orientação sexual em 1977. Luiz Mott é fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), uma das principais instituições que colaboram em prol dos direitos humanos dos gays no Brasil. Já foi vítima de discriminação, sendo agredido, em 1979, por um “machão” quando passeava pelo Farol da Barra ao por do sol, com Aroldo Assunção, ex-parceiro na época. O GGB foi fundado em 1980, durante o carnaval, com a missão de defender os direitos civis das pessoas de minoria sexual, ou seja, gays, lésbicas, bissexuais e pessoas transexuais e transgêneros.

Mott, um dos mais notáveis ativistas brasileiros, que atendeu ao convite, representando o portal OxenteSalvador para uma conversa bastante didática sobre homossexualidade, assunto do qual é especialista. Na oportunidade, mostrei um dos meus textos literários, que ele elogiou e comentou no meu outro blog http://vocepontocruz.blogspot.com/ Clique aqui e leia também

Veja a entrevista baixo:


Jefferson Cruz (JC) – Qual a atuação do GGB na organização das Paradas Gays na Bahia. O grupo é responsável pela manifestação nas demais cidades do Estado?

Luiz Mott - Não. Na verdade, nos últimos 30 anos de atividade o GGB funcionou como uma espécie de guarda-chuva, abrigando na sua sede, por onde já passou (Barroquinha, Sodré e nos últimos 10 anos no Pelourinho) e colaborando com diversos grupos, desde a formação, nas demais cidades e no recôncavo. Desde 2002, primeira parada de Salvador, o GGB já colaborava em outras cidades como Feira de Santana, Ilhéus, Itabuna, Lauro de Freitas, e recentemente em Santo Amaro. Em muitos casos emprestando a bandeira de 40m, importante para essas manifestações das paradas gays. Cada parada tem a sua independência.

(JC) – Pode nos explicar resumidamente qual é o processo para que uma cidade possa haver uma parada LGBT?


Luiz Mott - Na verdade basta haver alguma liderança local, de preferência gay, lésbicas ou travestis, que tenham coragem, peito, pra dar inicio a essa atividade. Para isso, devem se organizar, podendo contar com o know-how do GGB para treinamentos. Em seguida contatar órgãos municipais para garantir a segurança e liberação do trecho. O grupo deve também conseguir um ou mais carros de som, divulgar na mídia, informar a data tema, contar que não chova, e que a violência não participe, pois sabemos que em eventos de grande conglomeração de pessoas sempre atraem marginais que aproveitam pra roubar e agredir.

(JC) – A Bahia está no ranking do estado com maior numero de paradas. Fale-nos um pouco mais sobre essa evolução.

Luiz Mott – A Bahia tem algumas lideranças. Aqui está o grupo mais antigo de funcionamento do Brasil. Eu sou o decano do movimento homossexual brasileiro, ou seja, eu não fui o primeiro, outros grupos existiram, mas sou o maior ativista gay contra a homofobia. Esse ano são 23 paradas, as datas variam conforme questões climáticas. O ideal seria no dia 28 de Junho quando é comemorado o Orgulho Gay, mais as chuvas inviabilizam o acontecimento nesse período aqui no nordeste. Transferimos para setembro. Membros da GGB participam de muitas outras paradas, falando em público, emprestando material. Esse é o momento dos grupos darem sua contribuição.

(JC) – Qual a repercussão da Parada Gay nesses últimos anos? As estatísticas de visitantes aumentaram? E a segurança tem melhorado?

Luiz Mott – Começou com 10 mil e cresceu para aproximadamente 800 mil pessoas segundo dados da Polícia Militar em 2009. 500 mil já nos deixa contentes, pois foge do controle. No ano anterior foram 14 trios elétricos, mil policiais, e este ano os números se repetem. Já houve muitos assaltos e felizmente em 2009 não houve nenhum registro. Nos meus cálculos 80% dos participantes são heterossexuais. As maiorias visitam por causa das madrinhas ou pra curtir o som mesmo. Esse ano a madrinha é a primeira dama, Fátima Mendonça, muita querida pela comunidade, ela é carinhosamente chamada de “Fatinha” e antes mesmo de ser primeira dama, já saia vestida de Frida. Esse ano o tema é Homofobia Fora Daqui, pois a Bahia é a campeã em assassinatos de gays. Esse ano foram 11 contabilizados. Em exercício e candidato ao governo, Jaques Wagner assinou um termo de compromisso pra aplicar ações que revertam esse quadro. Esperamos maior repercussão, aumentando o número de visitantes e mais ativistas.

(JC) – Parabenizamos o GGB pela escolha da lista dos premiados na 20ª edição do troféu Triângulo Rosa. Quanto ao “Pau de Sebo”, prêmio destinado a agentes públicos e políticos que correspondem a uma atitude que desmerece os homossexuais, quais candidatos aos cargos de presidência e governo estariam indicados a receber essa premiação?

Luiz Mott – Todos os anos eu arquivo os destaques positivos e negativos da agenda do movimento homossexual. Este ano mereceram troféu Triângulo Rosa A Caixa Econômica por incluir parceiros nos planos de saúde como beneficiários. O IBGE por colocarem no censo, embora incompletos, pois deveriam ser não apenas os que vivem em união estável. Mas o Pau de Sebo ficaria para a Câmera Municipal por aprovar a nomeação de uma rua de Salvador em memória ao jornalista José Augusto Berbert que provocava homofobia em suas frases como “mantenha Salvador limpa, mate uma bicha todo dia!” e “bicha ou morre de AIDS ou assassinada”. Inaceitável um homofóbico receber qualquer homenagem.

(JC) – O que o levou a fundar o Grupo Gay da Bahia e lutar com tanto otimismo e excelência pelos direitos dos homossexuais?

Luiz Mott – Foi fundado exatamente no mesmo ano que o PT e OLODUM começaram a existir. Foi nos últimos cinco anos da ditadura militar, época de efervescência de reivindicações dos direitos humanos com grupos gays sendo formados em SP e no RJ. Nós fomos o primeiro grupo do nordeste a lutar contra a homofobia.

(JC) – Fale-nos sobre a sua recente obra “Bahia: Inquisição e Sociedade”

Luiz Mott – Eu como professor aposentado da UFBA e pesquisador no CNPq no nível mais elevado, ao longo dos anos, tenho pesquisado sobre o tribunal eclesiástico, que perseguia além dos judeus, os feiticeiros e os homossexuais chamados de sadomistas. Primeiro fiz um levantamento de como a inquisição exerceu seu poder de repressor entre 1591 e 1821, mostrando como os homossexuais sofreram as repreensões. Numa dessas histórias, um jovem negro foi açoitado pelo seu proprietário até a morte, quando descobriu que era homossexual, o que mostra como a homofobia é enraizada na sociedade.


(JC) – Ser gay é uma questão política?


Luiz Mott – Sim. As maiorias sociais sejam os negros, os índios e os homossexuais são vítimas de discriminação em casa, na escola, no trabalho e na rua. Assumir-se implica obviamente em reação daqueles que são intolerantes, então a minha proposta que repito constantemente é que as pessoas assumam a sua identidade homossexual como uma forma de evitar chantagens, stress e servir de modelos para jovens. Ser assumido, não implica em ser mal sucedido, desonesto e não perde a honra. É fundamental reconhecer sua identidade.

(JC) – Você concorda que a resistência de alguns pais, em sua maioria, é um reflexo de medo a homofobia, que a repreensão é uma medida de segurança?

Luiz Mott – Infelizmente é verdade. Os pais querem sempre o melhor para os filhos e quando percebem que eles estão indo para um caminho que poderá criar problemas ou descriminação eles querem evitar e às vezes forçam a barra, causando problemas psicológicos aos jovens que são predominantemente homossexuais e que reprimidos vão viver no fingimento, angustia e stress. O importante quando os pais descobrem que seu filho ou filha tem tendências homossexuais, estes devem ajudá-los enfrentar os preconceitos da mesma forma que outros fazem para defender os filhos deficientes físicos, ou membros de outras minorias que em casa já são educados a encarar a intolerância da sociedade global.

(JC) – Como a mídia, na indústria do entretenimento e no jornalismo (local e nacional), aborda ou incentiva a homofobia?De que forma tem sido retratado o personagem homossexual na televisão brasileira? O que precisa mudar? Os brasileiros já estão preparados para ver cenas mais fortes?

Luiz Mott – Melhorou nesses últimos anos, sobretudo a imprensa, que eram extremamente preconceituosos usando termos como que não eram aceitos pela comunidade homossexual. Inclusive o conceito de homofobia é cada vez mais discutido na imprensa. As novelas ainda têm preconceito em relação ao beijo gay. Os diretores e autores, muitos deles homossexuais deviam ser um pouco mais ousados, pois há anos já tem manifestação pública de carinhos entre homossexuais, já que heteros tem até sexo explicito nas novelas. O que mais me constrange são os programas humorísticos em que os gays são caracterizados de uma forma humilhante, de modo que negros, judeus, mulheres e idosos já não permitem mais esse tipo de abusos. No entanto o homossexual ainda não conseguiu força para deixas de ser palhaço e ser tratado como cidadão de respeito.

(JC) – Qual sua religião?

Luiz Mott – Fui católico de família tradicional paulistana de classe média. Sou ateu militante, desde a época em que estudei na faculdade de filosofia na USP, tendo como professor Fernando Henrique Cardoso. Fundei aqui na Bahia o grupo ateísta latino americano em que eu demonstro a ignorância de todas as religiões inclusive do candomblé, apesar de ser mais simpática aos gays, por ter deuses ou orixás que são ou bissexuais, homossexuais ou travestis, ainda assim não há um posicionamento na maior parte dos pais de santos quanto à afirmação desse fato. E muitos deles são homossexuais, tanto adeptos quanto os dirigentes.

(JC) – O que todo Cristão deve saber sobre homossexualidade?

Luiz Mott – Atualmente é fundamental que os evangélicos, sobretudo os petencostalistas abram o coração para a verdade pro respeito aos homossexuais já que Jesus nunca condenou o amor entre pessoas do mesmo sexo. Nesse meu texto eu explico e desconstruo os principais preconceitos bíblicos dos evangélicos e católicos fundamentalistas. Felizmente nos últimos anos se fundaram algumas igrejas que são abertas aos homossexuais, inclusive igrejas destinadas á comunidade homossexual. Outro exemplo, o Acerbispo anglicano, Desmond Mpilo Tutu, líder contra o apartheid da África do Sul que falou que a homofobia “é igual ao racismo . É o pecado que viola as leis de Deus!”.

(JC) – Há relatos de homossexuais que decidiram aderir à uma religião, no geral, igrejas protestantes evangélicas, como tentativa de tornarem-se heterossexuais. Acha isso correto? Qual sua visão de antropólogo sobre essa postura?

Luiz Mott – Considero que existam ex heteros, como eu mesmo. Fui casado e tenho duas filhas. Há mais de 40 anos sou exclusivamente homossexual. Ninguém nasce naturalmente heterossexual. São uma série de circunstancia ainda inexplicadas pela ciência que vão levar o individuo a ser predominantemente heterossexual, bissexual, ou homossexual. Há indivíduos que segundo relatório kinsey, são apenas 5% ou 10 % o grupo de homens que tiveram relações sexuais com outros homens chegando até ao orgasmo, porém são predominantemente heterossexuais. E a experiência sexual homoerótica tornou-se motivo de frustração, angústia. Essas pessoas devem procurar a sua felicidade se fixando ou na bissexualidade ou na heterossexualidade exclusiva. De modo que, para alguns, a religião funciona como um suporte emocional pra conseguir se firmar na sua felicidade apenas como heterossexual. Pessoas que tiveram experiências homossexuais muito fortes e que seriam segundo relatório kinsey predominantemente ou exclusivamente homossexuais, não devem tentar reverter essa sua tendência, pois é uma violência a si mesma. O Conselho Federal de Psicologia do Brasil e a Associação Norte Americana de Psicologia têm estudos científicos com muitas boas pesquisas que mostram que não existe correção ou “cura” aos homossexuais que tem uma homossexualidade essencial. De modo que essas clínicas, esses evangélicos que pretendem “curar” homossexuais, eles estão indo contra os princípios científicos e dos Direitos Humanos que diz que a livre orientação sexual é um direito humano fundamental como o direito a liberdade religiosa, da política, etc.

(JC) – Para os homossexuais, o amor tem preço? O medo à intolerância e discriminação acaba causando um implicante na duração dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo?

Luiz Mott – Com certeza, nós vivemos numa sociedade Heterossexista, Heteronormativa, e Heterrorsexista. Quem não é heterossexual é um verdadeiro terrorismo. Então as pessoas que tem opinião terão que enfrentar a intolerância e pagamos um preço que é o desprezo, o preconceito, a discriminação que pode chegar tanto do insulto até a violência de morte e que no Brasil a cada dois dias um homossexual é barbaramente assassinado. Isso gera um desconforto, um medo de mostrar sua liberdade, demonstrar seu afeto em público. É o preço em que se paga na sociedade homofóbica em que vivemos.


* Jefferson Cruz é jornalista graduado em 2008 e responsável pela redação deste portal.
http://br.linkedin.com/in/jeffersoncruz
http://myspace.com/jeffbrazzil

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